Consultório Médico

Av. Anchieta , 204- sala 810
Edifício Uffizi
Vila Boaventura - Jundiaí - SP
Fone: 11 - 4522-3111

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Artigo de atualização

A Proteína C-Reativa na Atualidade

"C-Reactive Protein: an update"
Autores: Celise Alessandra Sobral Denardi, Antônio Casella Filho, Antônio Carlos Palandri Chagas

Introdução


Como uma das moléculas mais estudadas atualmente, a proteína C-reativa (PCR) constitui um marcador inflamatório considerado forte preditor independente de risco para evento e morte cardiovascular que, através de sua interação com os fatores de risco clássicos, pode também levar a alterações do perfil pró-aterosclerótico do paciente1.
Considerando-se o processo aterosclerótico como extremamente dinâmico e progressivo, resultante da combinação entre a disfunção endotelial e a inflamação, em que há síntese e liberação de substâncias vasoativas, torna-se necessário um marcador biológico para o seguimento de evolução da doença. Os marcadores biológicos possuem como característica avaliar processos biológicos normais, patológicos ou farmacológicos em resposta a uma intervenção terapêutica, e também definir alterações de constituintes de fluidos corporais, podendo também avaliar o espectro das doenças através do diagnóstico, do prognóstico e da recorrência de doenças e de seu monitoramento terapêutico.
Sua síntese ocorre nos hepatócitos sob estimulo primário da interleucina-6 (IL-6), apresentando traços normalmente detectados no sangue. Porém, em condição inflamatória aguda, há elevação de seus níveis nas 6 a 8 horas iniciais, podendo atingir valores de até 300mg/dl em 48 horas. Essas características fazem da PCR um marcador clínico importante pelas suas características de boa estabilidade, alta sensibilidade, boa reprodutibilidade e precisão2.
A proteína C-reativa pode ser considerada um fator ou um marcador de risco?
Diante de várias evidências que serão relatadas a seguir, pode-se dizer que a PCR também faz parte do processo aterosclerótico, além de constituir um biomarcador para o processo endotelial3.
Em concentrações conhecidas como preditoras de doença vascular, a PCR tem grande participação no favorecimento do estado pró-inflamatório, atuando na down regulation endotelial da enzima NOs (óxido nítrico-sintase) e também na transcrição das células endoteliais, levando assim à desestabilização da eNOS-RNA. Todo esse processo resultará na redução da liberação de óxido nítrico (NO)4, também agindo em situações de isquemia crônica através da inibição da angiogênese, quando a PCR estiver presente em níveis elevados5.
Essa relação com a deficiência de eNOS (óxido nítrico-sintase endotelial) parece ser o ponto importante na aterogênese, claramente observado quando são avaliadas culturas de células endoteliais de aorta humana, testando-se a expressão da eNOS, abundante nesse tipo de cultura, após sua pré-incubação com PCR, levando assim a aumento significativo das moléculas de adesão – monócitos – e redução direta da expressão de eNOS6. Age ainda como estimuladora de endotelina ET1, reguladora das moléculas de adesão, facilitando também a entrada de LDL-colesterol no macrófago através da moléculas de MCP1, como observado em cultura de células de safena humana submetidas à PCR humana recombinante. Representa papel como regulador do fator nuclear kappa-beta, responsável pela facilitação de numerosos genes pró-ateroscleróticos7, agindo ainda ao nível das prostaciclinas vasodilatadoras, levando à redução de sua produção8; alguns fármacos específicos podem atenuar esse processo9. Há ainda ação ao nível das células endoteliais progenitoras e dos mecanismos de neovascularização, onde a PCR tem seu papel agente do mecanismo inibitório e compensatório de angiogênese em modelos de isquemia crônica10. Possui também importante papel na instabilização da camada fibrosa do ateroma, através do estímulo da matriz da metaloproteinase-1(MMP-1) liberada com a degradação de colágeno e proteínas, assim como diminuindo a fibrinólise e promovendo a síntese do PAI-1. Observa-se um aumento da adesão e ativação plaquetária quando a PCR é liberada pelo fator tissular dos monócitos, reduzindo-se pelo óxido nítrico (NO) e pelas prostaciclinas11.
Age ainda como mediadora na formação da placa aterosclerótica, através de sua participação na inibição das proteínas mediadoras do complemento, protegendo assim as células endoteliais de lesões por ele mediadas. O sistema de complemento consiste em uma complexa cascata enzimática com proteínas reguladoras que normalmente participam de mecanismos de defesa através das vias de opsonização, químio-atração de leucócitos, lise e ativação celulares12, além de sua atuação na promoção do fenótipo inflamatório13.
Assim, a PCR não é apenas um marcador inflamatório de aterosclerose e eventos coronarianos, mas também um mediador de doença em função de sua contribuição na formação da lesão, na ruptura da placa e nos mecanismos de trombose coronariana. Seus efeitos diretos pró-aterogênicos estendem-se também às células musculares lisas, e assim suas funções como fator aterosclerótico e adicional com marcador de risco se fazem verdadeiros14.
Ao se avaliar alguns subgrupos, como nos casos de doença arterial coronariana (DAC), podem-se citar dados publicados entre 1996 e 2004 referentes à correlação entre PCR e DAC, que demonstraram que 50% dos eventos (IAM, AVE, morte súbita, reestenose de stent) ocorriam em indivíduos com fatores de risco não identificados, porém com níveis elevados de PCR15.
Estudo que avaliou placas rotas de indivíduos que morreram de causa cardiovascular demonstrou a presença de grandes quantidades de PCR nessas placas16. Houve também correlação entre níveis elevados de PCR nas primeiras 48 horas após o tratamento invasivo pela angioplastia com stent e maior incidência de reestenose17.
Em pacientes de prevenção secundária, houve redução dos níveis de PCR em apenas 50% desses indivíduos, 30 dias após a obtenção de níveis de LDL-colesterol desejáveis para essa população. Ainda assim a PCR se revelou um bom marcador de risco para evento cardiovascular e seguimento terapêutico, com um importante poder preditivo de reação inflamatória18.
Na avaliação de pacientes que foram admitidos com quadro de dor torácica na sala de emergência, os valores de PCR não foram considerados bons marcadores de IAM, porém um valor superior a 1/3 de seu limite superior de normalidade foi preditor de eventos cardíacos ainda no período intra-hospitalar19. Ao se avaliar o grupo isolado de mulheres portadoras de DAC, observou-se que houve correlação entre níveis elevados de PCR e presença de evento cardiovascular – população de cerca de 27 mil mulheres, estudadas por um período de 10 anos20. Esses dados foram confirmados por outro estudo, com cerca de 15 mil mulheres, também seguidas por 10 anos, em que houve correlação entre perfil lipídico, níveis elevados de PCR e maior incidência de acidente vascular encefálico21. E mais, em outro grupo estudado, com as mesmas características de população, mostrou níveis maiores de PCR associados à maior incidência de eventos22. Quando mulheres ao redor de 45 anos, classificadas em riscos intermediário e baixo pelo escore de Framingham, foram reclassificadas pelo escore Reynolds – que se utiliza da PCR- metade delas foi reclassificada como de alto risco para evento cardiovascular23.
Nos casos de portadores de síndrome metabólica, suas próprias características como obesidade abdominal e resistência à insulina já contribuem para a produção de citocinas inflamatórias, especialmente a interleucina-6, que tem grande contribuição na secreção hepática de PCR24,25. Assim, na prática clínica, a PCR parece ter valor preditivo global para evento cardiovascular futuro nos portadores de síndrome metabólica26. Em indivíduos não-diabéticos, mas já com resistência à insulina, observa-se a presença de níveis elevados de PCR, interleucina-6 (IL-6), fator de necrose tumoral-alfa e disfunção endotelial27, sendo que esse estado inflamatório pode ser revertido pelas mudanças de estilo de vida, especialmente pela perda de peso28.
Em 30% dos casos de manifestação da doença aterosclerótica, esta pode ocorrer em carótidas e assim marcadores de atividade inflamatória como a PCR, a interleucina-6 e o fibrinogênio poderiam ter importância na identificação da doença nessa população29, inclusive como marcador de alteração na microcirculação renal30.
Há ainda a sugestão de alguns estudos sobre a correlação entre a existência de polimorfismos do gene da PCR, lesão da íntima-média carotídea e incidência de eventos, especialmente observados em um grupo de idosos seguidos pelo período de 13 anos31.
Dados a respeito de doença aterosclerótica arterial periférica, especificamente em membros inferiores, demonstram correlação entre os níveis de PCR e a incidência de fenômenos tromboembólicos após cirurgia de enxertos venoarteriais32.
Alguns estudos realizados em pacientes portadores de doença arterial periférica, acompanhados por um período de 17 anos, através da avaliação clínica e do índice tornozelo-braquial com controle de marcadores de inflamação – dentre eles a PCR -mostraram que houve correlação entre a presença de doença arterial periférica com a presença de níveis elevados de PCR33.
Esses dados também foram observados por outro grupo que considerou níveis elevados de PCR e redução no teste de 6 minutos de caminhada, sugerindo assim o importante papel da inflamação na doença vascular periférica34.
Quando avaliados 119 pacientes portadores de insuficiência cardíaca, por Villacorta et al., que foram admitidos descompensados na emergência – em classe funcional III ou IV- e que foram acompanhados em sua evolução por 12±9 meses, com desfecho de mortalidade cardiovascular, observou-se correlação entre níveis elevados de PCR (>3,0) e mortalidade, sugerindo assim o componente inflamatório dessa doença35.
Qual seria então o real papel da PCR em prevenção primária e secundária?
Inúmeros estudos têm demonstrado bons resultados da terapêutica com estatinas, nos quais a redução dos níveis lipídicos através da inibição da 3-hidroxi-3metilglutaril coenzima-A redutase também resulta em redução da atividade inflamatória endotelial, levando à redução dos níveis de PCR. São estudos multicêntricos com número grande de pacientes, com enfoque em prevenção primária – estudos: AFCPS/ TexCAPS – que correlacionaram a redução de eventos em indivíduos de prevenção primária com níveis de lipídios baixos, porém com níveis de PCR elevados previamente ao uso de lovastatina36.
O estudo PRINCE demonstrou redução da atividade inflamatória pela redução dos níveis de PCR com o uso de pravastatina também em pacientes de prevenção primária37. O estudo JÚPITER avaliou a correlação entre a redução dos níveis de LDL-colesterol e os níveis de PCR com o uso de rosuvastatina, levando à redução de evento cardiovascular38 ou em prevenção secundária pelos estudos: CARE – demonstrou que a PCR adiciona risco para a recorrência de evento cardiovascular em pacientes de prevenção secundária39; MIRACL – em que houve redução significativa de atividade inflamatória pela avaliação de níveis de PCR, em pacientes portadores de síndrome coronariana aguda através do uso de altas doses de atorvastatina40; REVERSAL – que demonstrou correlação entre redução do tamanho do ateroma e dos níveis de PCR com o uso de estatinas41.
Esses dados se fazem verdadeiros ao se avaliar a correlação entre PCR e LDL-colesterol em um grupo de 3745 pacientes com síndrome coronariana aguda – em prevenção secundária – e randomizados para atorvastatina e pravastatina, em altas doses, quanto à ocorrência de evento cardiovascular, observando-se taxas menores de eventos em pacientes que atingiram LDL-colesterol <70 ap="" com="" de="" dos="" duos="" e="" eventos="" hipolipemiante="" independente="" indiv="" ldl="" menor="" n="" ncia="" nos="" pcr="" recorr="" s="" style="line-height: 0.81em; margin: 0px; padding: 0px;" sup="" terapia="" veis="">42
.
Apesar do uso de estatinas como redutores do perfil lipídico, cerca de 60%-70% dos eventos cardiovasculares continuam a ocorrer, e apenas 34,1% dos homens que sofrem evento cardiovascular apresentam dislipidemia associada43. Níveis elevados de PCR podem estar associados a níveis de LDL-colesterol elevados; ainda assim acumulam evidências de valor prognóstico para doença cardiovascular em indivíduos de alto risco44.
A PCR ainda é um marcador inflamatório preditor de IAM, AVE, doença vascular obstrutiva periférica e morte súbita cardíaca em indivíduos saudáveis, e preditor de novos eventos em prevenção secundária. Acrescenta valor prognóstico ao escore de Framingham, à síndrome metabólica, ao perfil lipídico, à pressão arterial com ou sem a presença de aterosclerose subclínica, podendo ser considerados os valores de até 1,0mg/dl, entre 1,0mg/dl e 3,0mg/dl e >3,0mg/dl como, respectivamente, baixo risco, moderado e alto risco45.

Conclusão


Sendo o processo inflamatório parte da evolução da doença aterosclerótica, a mensuração de um biomarcador, como a PCR, faz-se necessária como marcador de risco para eventos cardiovasculares em conjunto com controle dos fatores de risco clássicos como: nível lipídico, mudanças de estilo de vida através de mudança de hábitos alimentares, perda de peso, atividade física regular, controle dos níveis de glicemia e cessação do tabagismo, constituindo assim estratégias para sua redução tanto em prevenção primária quanto em secundária46.
Em referência aos marcadores bioquímicos cabíveis para quadros de síndrome coronariana aguda pode-se citar a PCR ultra-sensível como maior marcador de inflamação na fase aguda47. Pode-se considerá-la como algo a mais a ser associado ao escore de TIMI, em pacientes com IAM sem supra de ST, conforme demonstraram Correia et al. ao avaliar PCR em 86 pacientes, com até 48 horas de dor, como valor adicional ao escore com poder preditivo positivo, adicionando assim valor prognóstico a esse paciente48.
Quanto à avaliação de um biomarcador, faz se necessária avaliação de custo-efetividade, acurácia, habilidade para ser um verdadeiro preditor de eventos. A sua utilidade clínica deve ser importante. A PCR é importante para a prevenção primária e secundária assim como níveis de LDL-c, critérios de Framingham e síndrome metabólica, podendo ser de grande relevância quando associada aos outros fatores de risco clássicos como a LDL, por exemplo49. Nos casos de SCA e IAM, a PCR mostra se um bom preditor de eventos a médio (1 mês ) e a longo prazo (1 ano)50 também observados nos casos de tratamento invasivo51 .
A PCR pode ser considerada como um dos principais biomarcadores para a predição de eventos cardiovasculares e morte em associação aos fatores de risco clássicos42,43,52, adicionando assim a estes, maior risco53.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.